A PANDEMIA BATEU FORTE NA ÁREA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE REGULAÇÃO DE SINISTROS E DE VISTORIAS. ALGUNS PROFISSIONAIS DESTES SEGMENTOS DO MERCADO SECURITÁRIO NARRARAM À APÓLICE SUAS TRAJETÓRIAS MOLDADAS POR REFLEXÃO E ESTRATÉGIAS IMEDIATAS QUE POSSIBILITARAM VIRAR O DIFÍCIL JOGO CONTRA A CRISE DOS ÚLTIMOS MESES André Felipe de Lima

Não há uma estatística consolidada, mas, empiricamente, podese afirmar que o segmento de prestação de serviços de regulação e de vistorias de sinistros foi impactado de forma contundente pela pandemia. Não poderia ser diferente. Mas, ao observarse por um prisma mais positivo, é possível identificar um intenso empenho de gestores na busca pela adaptação tecnológica para atender às demandas de mercado, mesmo que remotamente. O isolamento social fez com que colaboradores e empresas rumassem para uma transformação digital imediata aliada a uma busca contínua pela qualificação profissional. O intuito primordial é inequívoco: impedir o enfraquecimento da carteira de clientes ao longo da pandemia da Covid-19, que sofreu abalos nos primeiros momentos da quarentena obrigatória em todo território nacional, entre março e abril. Há cerca de 30 anos atuando na região Sul do país, onde quase que integralmente as vistorias eram — antes da pandemia — realizadas de forma presencial, a Sultec Vistorias de Veículos percebeu imediatamente o contexto desfavorável que se desenhava com a imposição do isolamento social obrigatório. Principal executivo e sócio-fundador da companhia, Fernando Marques Menezes narra o impacto inicial do isolamento social no segmento: “Algumas seguradoras aboliram 100% a realização de vistoria prévia, algumas utilizaram o artifício da autovistoria e, em alguns casos, a presencial nas localidades onde existia esta possibilidade. Com isso, houve uma redução inicial de 70% na realização das vistorias, ocasionando várias dificuldades às prestadoras de serviços.” A Sultec Vistorias tinha como objetivo crescer 10% em 2020, com uma margem de lucro na casa dos dois dígitos. No primeiro trimestre, a empresa vinha cumprindo todas as etapas que a

possibilitassem atingir a meta empreendedora, até o inesperado atingir toda a sociedade. “A pandemia chegou para mudar tudo aquilo já vivido até então. Tínhamos que tomar decisões diárias para saber que ações adotar. Pois a cada dia que passava o cenário era outro, vistoriadores impedidos de trabalhar em suas localidades e a produção caindo 70% no primeiro momento. Centralizamos todo o atendimento na matriz da Sultec, em Porto Alegre, e tivemos de reduzir as estruturas físicas no Paraná e em Santa Catarina, adequando a equipe ao novo cenário”, descreve Menezes. Mas o executivo não se intimidou e arregaçou as mangas. A Sultec realizou algumas alterações operacionais e diversificou produtos, desenvolvendo, inclusive, um aplicativo, o Sultec AutoVP, para atender remotamente os clientes que não desejam vistoria presencial. Também foi criado um site de consultas, pelo qual o cliente final ou o corretor de seguros pode identificar — antes mesmo da compra — se o veículo não é “perda total” ou oriundo de leilão, bem como se já sofreu alguma colisão, pintura ou troca de peça. “Com a queda de produção, resolvemos dar férias coletivas aos vistoriadores externos e passamos o atendimento, administrativo e o setor técnico, para home office. Com isso, não deixamos de atender a demanda existente no período epidêmico e aos poucos fomos retomando gradativamente a produção, que hoje já está em 70% da produção normal, sendo 95% presencial e 5% representada pela auto vistoria, que gera um retrabalho de 60%, porque os clientes não conseguem enviar as fotos corretamente”, salienta o executivo.

Com estrutura operacional que inclui pontos de atendimento cadastrados e vistoriadores especializados em todo território brasileiro, além de Uruguai, Paraguai, Chile e Argentina, a Way Reguladora de Sinistros iniciou as atividades no primeiro dia de março, porém, duas semanas depois, teve de fechar as portas e direcionar toda a operação para o home office, devido à pandemia. Os primeiros 30 dias de quarentena foram marcados por muitos questionamentos, desafios e incertezas, como descreve a diretora executiva da Way, Cátia Muller:

“A empresa é um projeto de vida que vinha sendo pensado em todos os detalhes e que estava com os primeiros passos desenhados: estrutura robusta de canais de comunicação, estrutura física confortável e bem posicionada, pessoas com potencial de entrega incrível, viagens para apresentação da empresa e prospecções, enfim, tudo planejado, ou quase tudo. Em meus mais de 20 anos de experiência na área de regulação de sinistros de transporte, nunca imaginei um momento como esse, onde tudo que tínhamos como referência de trabalho precisaria ser repensado e adaptado. A necessidade de inovação sempre esteve presente para mim, mas a aceleração em meio a urgência causa desconforto”, reconhece Cátia, que teve de repensar toda a estrutura operacional da empresa para encarar o desafio da gestão remota para atender demandas: “Estávamos iniciando as atividades e muitos processos ainda não estavam definidos, viagens canceladas, dificuldades em trazer novos clientes sem viajar, sem encontros presenciais para que todo o potencial da empresa pudesse ser demonstrado, estava posto mais um desafio, além do que já esperávamos e comum a qualquer novo negócio.”

PANDEMIA E INADIMPLÊNCIA: QUANDO O DINHEIRO FICOU ESCASSO NO MERCADO

Durante o trágico ápice da pandemia no Brasil, em junho, quando os índices de contaminação e de mortes provocados pela Covid-19 cresceram intensamente, a Regula Sinistros criou uma “central de dúvidas” online para que pessoas que perderam parentes pudessem conhecer detalhes sobre seguro de vida e assistência funeral. O canal gratuito de atendimento à população foi uma resposta da companhia que, igualmente a todos no mercado, sentiu o impacto da crise sanitária que, obviamente, desencadeou uma profunda crise econômica em escala global. O isolamento social, que freou o consumo e manteve todos dentro de casa, reduziu drasticamente os índices de sinistralidade em todas as esferas possíveis, desde acidentes de trânsito aos que ocorrem comumente em empresas, que se mantiveram fechadas durante longo período. Sócio da Regula Sinistros, Augusto Vicente Esteves Junior admite ter havido um impacto inicial nos negócios da empresa e que uma recuperação só começou a ser percebida no final de abril, ou seja, pouco mais de um mês após a deflagração da quarentena, quando os sinistros abertos voltaram a se concentrar em colisões de veículos e riscos às empresas. Houve, no entanto, outro fator singular que ajudou nessa retomada de negócios, especialmente no de assistências: a casa, ou melhor, os problemas que ela apresenta. “As pessoas começaram a pedir muito mais assistência devido aos problemas em suas casas. Começaram a pedir conserto de máquinas de lavar e de chuveiro ou reparos hidráulico e elétrico, troca de vidro, limpeza de caixa d’água. Começaram a arrumar a casa onde estavam passando a maior parte do tempo”, recorda Junior, que explica ter havido outro impacto na Regula motivado pela contenção de dinheiro no mercado: “As empresas, mesmo antes de serem impactadas diretamente, seguraram o dinheiro. Os empresários, as corretoras de seguros seguraram um pouco mais os pagamentos. A gente teve um aumento expressivo também na inadimplência.” A retomada da carteira de clientes da Regula foi, enfim, verificada em junho, segundo Junior, quando o índice de sinistralidade voltou a crescer, sobretudo por conta do aumento do número de roubos em sedes de empresas fechadas e de invasões em prédios.

ESTREIA E SUPERAÇÃO

A inesperada e brusca mudança na rotina dos negócios, na rotina da vida, em si, implodiu planos e fez com que estratégias, então meticulosamente desenhadas um ano antes, consumido dias, semanas e até meses, tivessem de ser revistas abruptamente. Se foi difícil para empresas com alguns ou muitos anos de estrada no mercado, o que dizer daquelas que iniciavam suas jornadas? Esse foi o caso da Way Reguladora. Fundada em setembro de 2019 e com a estrutura física inaugurada exatamente no dia 1 de março deste ano, duas semanas antes de o país entrar em isolamento social total, a empresa, com sede em Porto Alegre, viu todo o seu produto principal, o atendimento a sinistros de veículos de carga, ser impactado. “Prestamos serviços a seguradoras e seus clientes, desde o resgate das mercadorias, quando acontece um acidente na estrada, até a regulação, levantamento dos prejuízos causados e definição do prejuízo a ser indenizado pelo seguro. A restrição de circulação impactou diretamente na atividade, tanto no fluxo quanto nas rotinas. O negócio, em sua essência, é vinculado ao transporte e acompanhando os números do setor, começamos a ver a queda, o impacto da pandemia e suas restrições no transporte de carga, números que foram caindo de forma agressiva, 20, 30 até chegar a quase 50% de queda no fluxo. Uma crise no transporte estava anunciada e o impacto em nosso negócio era inevitável. Essa crise sanitária trouxe mudanças para todas as linhas de negócios existentes e o mercado securitário também foi muito afetado, pois está ligado diretamente a produção, movimentação econômica e de pessoas”, acentua a executiva da Way Cátia Muller. Houve estagnação, admite Cátia. A Way estava em fase de alavancagem do negócio no mercado, com várias reuniões marcadas e boas perspectivas de novos negócios. Clientes também estavam tentando se organizar em meio a um turbilhão de informações e recomendações, movimentando toda uma estrutura de pessoas para o trabalho home office. “Nesse momento, sabíamos que os novos negócios ficariam em segundo plano e em primeiro a preservação da vida e o funcionamento do que já estava implantado. Agora, no segundo semestre, já estamos com uma operação de atendimentos em curva de crescimento e retomando negociações para ampliação, percebemos um mercado mais equilibrado, adaptado às novas necessidades e buscando mudanças, trazendo o aprendizado das dificuldades que essa pandemia trouxe a todos, as empresas de um modo geral ampliaram a visão, querem coisas novas, funcionais e com custo adequado”, completa Cátia. Antes da pandemia, os segmentos que giram em torno do mercado de seguros estavam em franco crescimento. O de sinistros era um deles, e seguia a tendência. Com a pandemia, começaram a se intensificar variações nas contratações de apólices. Seguros de automóveis, por exemplo, perderam fôlego. Na outra via, atraíram mais a atenção do consumidor os seguros de vida e saúde, sobretudo após a maioria das seguradoras incluírem em seus contratos a cláusula cobrindo riscos de pandemia, até então uma espécie de tabu para muitas empresas. “A partir disso houve um aumento expressivo na contratação de seguros de vida e, por consequência, nos sinistros”, resume Junior, da Regula.

O executivo reconhece que a empresa vivenciou momentos difíceis de março a maio, quando a estagnação no mercado mostrava-se irreversível para todos. Nada evoluía. Houve, destacou ele, dificuldade da Regula para ampliar o leque de clientes, mas sem necessariamente um decréscimo porque as corretoras de seguros não cortaram o investimento que fazem na terceirização do processo de sinistro. “Passados os três meses iniciais da pandemia, a gente teve um aumento no número de clientes, porque as corretoras de seguros começaram a demitir colaboradores para redução de despesas e viram na Regula uma solução para essa redução de despesas, dado que é muito mais barato terceirizar o departamento de sinistro do que ter um próprio”, salienta Junior.

Fonte: Revista Apólice

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